Em meio ao fervor provocado pela última Conferência Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável, estamos, mesmo que momentaneamente, sendo pressionados a refletir sobre os convincentes argumentos que lançam o colapso ambiental como ponto final da caminhada humana.
Mas, afinal, será que existe uma garantia jurídica, de ordem nacional e supranacional, que possa nos proteger de nós mesmos e resguardar a qualidade mínima do meio ambiente?
Embora possa soar estranho para alguns, a resposta é sim. O direito a um meio ambiente minimamente equilibrado está intimamente relacionado à dignidade humana, que é o princípio estrutural de qualquer sistema jurídico.
O conteúdo da dignidade humana deve ser constantemente ajustado aos valores culturais e às necessidades existenciais de cada geração. Na atualidade, não há como pensar em uma vida com dignidade sem relacioná-la às condições ambientais (ar, água, solo, camada de ozônio) que garantam a todos saúde e bem-estar físico e psicológico. Daí advém a consolidação da dimensão ecológica da dignidade humana.
A preocupação em firmar normas que protegessem o meio ecológico ganhou destaque no fim dos anos 60 e início dos 70. Nesse período, a comunidade internacional passou a perceber que a vida não poderia prosseguir no mundo caso sobreviesse um impacto ambiental capaz de gerar efeitos avassaladores e permanentes para a higidez física e mental do homem.
Foi então que surgiram os primeiros documentos internacionais de proteção ao meio ambiente, passando a garantia da qualidade mínima ambiental a ter status de direito humano. A Organização das Nações Unidas foi o primeiro órgão supranacional que criou estratégias e elaborou acordos para a preservação da natureza. Em seguida, inúmeros tratados, convenções e conferências foram promovidos na tentativa de se criar limites aos impactos ambientais ocasionados pela humanidade.
A partir disso, vários países passaram a reconhecer, em sua legislação nacional, a qualidade ambiental como parte integrante do direito de se viver de forma digna. No Brasil, a Constituição Federal de 1998 reconheceu o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como uma garantia fundamental da pessoa (em seu artigo 225), impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar a natureza para as presentes e futuras gerações.
A tutela jurídica ao meio ambiente equilibrado não está somente baseada em textos legais e princípios políticos. Muitos tribunais têm decidido disputas ambientais pautados na obrigação jurídica de se manter uma qualidade ecológica mínima. Cita-se o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem firmado jurisprudência no sentido de relacionar intrinsecamente a dignidade humana à qualidade ambiental.
Como exemplo, vale mencionar um processo julgado por esse tribunal, no qual questionava-se a validade das limitações ao direito de propriedade em face da preservação de reserva florestal legal.
Fundamentando-se na necessidade da conservação dos recursos naturais em favor da boa qualidade da vida para as gerações atuais e vindouras, decide o STJ, por reconhecer como legítima a limitação ao direito de propriedade, obrigando o novo proprietário a restaurar área desmatada, ainda que não tivesse sido ele o causador do dano. Interessante notar que, com base nessa e em outras decisões que apresentam a mesma linha argumentativa, o STJ tem entendido não existir patamar mínimo de bem-estar sem respeito ao direito fundamental do meio ambiente sadio.
E não termina por aí a relevância desse tema. Muitos arriscam-se em afirmar que, a partir da evolução histórica dos direitos humanos e fundamentais, os direitos sociais (assistência social, educação, trabalho, alimentação, moradia, cultura) não fazem sentido algum se não houver garantia ao direito a um meio ambiente sadio.
Assim, da mesma forma que determinadas condições sociais sejam imprescindíveis para o pleno desenvolvimento humano, existe também um mínimo de qualidade ambiental (o denominado mínimo existencial ecológico), sem o qual o progresso civilizatório não se sustenta.
Portanto, o equilíbrio ambiental é pressuposto dos direitos sociais, já que não há como priorizar as questões materiais da vida sem antes ter condições mínimas ambientais para se viver saudavelmente.
Pois bem, para que o direito a um meio ambiente equilibrado tenha efetividade, o processo político de implementação de políticas públicas ambientais se faz necessário. Sendo omissa a administração pública, é o Judiciário obrigado a intervir de forma ativa, impondo o dever de se executar tais políticas públicas já estabelecidas por lei.
Para que esse processo de efetivação seja acelerado, a responsabilidade deve recair também nos governados. Nossa postura como cidadãos nos força a ser ativistas em favor de nossas próprias ambições. De nada adianta as opiniões negativas em relação aos eventos que propagam e tentam promover o respeito à natureza, se nada é proposto para melhorar.
As queixas às ações (e omissões) dos órgão nacionais e internacionais deveriam ser substituídas por pressões políticas, por discussões públicas, por ativismo social e por reivindicações populares.
A participação da coletividade é essencial para se construir direitos e formar novas posturas dos governantes. Dessa vez, o egoísmo não poderá ser a justificativa de nossa estagnação, já que os problemas ambientais afetam inexoravelmente toda a humanidade.
ANA LUÍSA JUNQUEIRA, 31, advogada do núcleo de direitos humanos do Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF), é mestranda em Direitos Humanos pela Universidade do Minho, de Portugal;
JOELSON DIAS, advogado, sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF), e ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é mestre em Direito pela Universidade de Harvard, com enfoque em Direitos Humanos;
STELLA REICHER, 33, sócia de Golfieri Reicher e Storto Advogados, é mestre em Direito pela USP e professora de Direito nos cursos de pós-graduação em Gestão de Projetos Sociais no Cogeae-PUC/SP e no Senac-SP.
Da Folha
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