A Lei de Drogas (11.343)
foi debatida, votada no parlamento e sancionada em 2006, no último ano do
governo Lula. Desde então, são quase 18 anos de vigência desta lei. Contudo, os
operadores do direito (advogados, defensores e juízes, entre outros) sempre
reclamaram da redação do artigo 28, dispositivo que trata dos verbos “comprar”,
“guardar” e “portar” drogas para uso pessoal, com fixação de pena. Dificuldades
como diferenciar este usuário de traficante; definir se o consumo pessoal deve
ser interpretado de forma restritiva (referindo-se a uma única pessoa e uma
única dose); e a vaguidade do próprio texto legal do artigo 28 dificultavam a
aplicação consistente da lei.
Em 2011, o tema chegou à
pauta do Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário nº
635.659, numa ação da Defensoria Pública de São Paulo. Tratava-se do caso
específico de um homem flagrado com 3 gramas de maconha, que foi condenado a 2
meses de prestação de serviços comunitários. Para a Defensoria Pública, essa
punição feria o direito à liberdade e à privacidade. No entanto, somente em
2015 começou o julgamento da análise de constitucionalidade do artigo 28 da
lei, tendo como relator o decano ministro Gilmar Mendes, que cravou a
inconstitucionalidade do dispositivo. Além disso, o caso é individual, mas tem
“repercussão geral”, o que significa que o julgamento estabeleceu um parâmetro
para todo o Judiciário nos processos que tratam da mesma questão.
Nos dias 25 e 26/06/2024,
a maioria dos ministros firmou o entendimento de que o porte da substância é
uma infração administrativa, e não penal. Prevaleceu no julgamento o voto do
ministro Gilmar Mendes, relator do caso, pela inconstitucionalidade do citado
artigo. Ele foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso,
Alexandre de Moraes, Rosa Weber (aposentada) e Cármen Lúcia. Todos votaram por
descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio e estabelecer a
quantidade de 40 gramas da substância para diferenciar usuários de traficantes.
O ministro Dias Toffoli votou pela descriminalização, mas considerando
constitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, sendo acompanhado pelo ministro
Luiz Fux.
Conforme o entendimento
do STF durante o julgamento, o porte de maconha para uso pessoal já estava
despenalizado no Brasil desde 2006, quando foi promulgada a Lei de Drogas.
Despenalizar significa substituir a pena de prisão por punições de outra
natureza, ainda dentro da esfera criminal. O usuário, por exemplo, é advertido
sobre os efeitos do uso da maconha, além de ser obrigado a prestar serviços
comunitários e participar de programas educativos. Com esse julgamento atual, o
STF não legalizou o uso da droga (maconha), apenas a descriminalizou,
retirando-a do âmbito penal e enviando-a para a seara administrativa,
subtraindo o inciso II do artigo 28 da Lei de Drogas, que aplica a sanção de
prestação de serviços à comunidade. De acordo com a corte, essa é uma pena
corporal, portanto, de natureza penal.
O STF analisou o caso
individual, mas decidiu ir além e adotar a chamada “repercussão geral”. Isso
significa que o julgamento fixou uma tese, estabelecendo um parâmetro para todo
o Judiciário em processos que tratam da mesma questão. Com essa decisão, o
Supremo, pela primeira vez, estabeleceu limites e adequou a Lei de Drogas à
Constituição brasileira, segundo especialistas entrevistados pela imprensa
sobre o tema. Para eles, por quase duas décadas, juízes e autoridades policiais
foram incumbidos de decidir se o cidadão flagrado com maconha, o indivíduo
responderia por tráfico ou não com base em subjetividades, o que viola a Carta
Magna.
Além disso, procurou-se
trazer a opinião de estudiosos do direito, disseminada nas páginas digitais dos
mais diversos informativos tupiniquins. A demora e o desinteresse do Congresso
desmontam a tese de que o Supremo está usurpando sua competência. Durante o
julgamento, o ministro André Mendonça mencionou essa questão, mas foi rebatido
nos seguintes termos: ‘O STF está cumprindo sua função de zelar pela
Constituição, que, aliás, foi promulgada pelo próprio Legislativo’, afirma
Marcelo Semer.
Originalmente, o alemão
Rudolf Von Ihering, em 1872, em uma famosa conferência em Viena, “A luta pelo
direito”, apontou para o que hoje é conhecido como o princípio da inércia.
Segundo ele:
“Cabe
a qualquer homem um dever para consigo mesmo: o de repelir com todos os meios
ao seu alcance qualquer agressão a um direito investido em sua pessoa. Com a
passividade diante da agressão, estará ele admitindo um momento de ausência de
direitos em sua vida. E ninguém há de cooperar para que isso aconteça”.
E mais modernamente com esse princípio já
consolidado no direito comparado, o sistema de justiça brasileiro os adota, a
exemplo do art. 2º do Código de processo Civil – CPC de 2015, e já adotara no CPC
pretérito de 1973, senão vejamos: “Art. 2º O processo começa por iniciativa da
parte e se desenvolve por impulso oficial,” de sorte, que é em observância ao princípio da inércia da jurisdição, de
Rudolf Von Ihering, profetizado nos idos da segunda metade do século XIX.
Em resumo, Pedro Serrano
afirma: ‘O Supremo está dentro do papel dele. Não faz sentido existir o STF se
não for para defender os direitos fundamentais em situações como essa’. Ele
explica ainda que, ao praticar uma conduta, é necessário prever a reação do
sistema penal. A falta de clareza sobre a quantidade de porte de maconha que
caracteriza tráfico prejudica a previsibilidade e deixa essa decisão a cargo da
polícia. Isso é incompatível com quem aplica a lei. Portanto, o Supremo deve
estipular uma quantidade para que a cidadania saiba o que pode ou não fazer.
Respeitando todas as opiniões, os princípios do estado democrático de direito, a separação dos poderes e o princípio da inércia, segundo o qual a jurisdição deve ser provocada pelas partes interessadas, não cabe ao Poder Judiciário a iniciativa da ação. Assim, no presente julgado, não há motivo para falar em invasão de competência do parlamento pela Suprema Corte.
Reginaldo Veríssimo
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